terça-feira, 30 de setembro de 2008

Decálogo do Voto Ético


I. O voto é intransferível e inegociável. Com ele o cristão expressa sua consciência como cidadão. Por isso, o voto precisa refletir a compreensão que o cristão tem de seu País, Estado e Município;

II. O cristão não deve violar a sua consciência política. Ele não deve negar sua maneira de ver a realidade social, mesmo que um líder da igreja tente conduzir o voto da comunidade numa outra direção;

III. Os pastores e líderes têm obrigação de orientar os fiéis sobre como votar com ética e com discernimento. No entanto, devem evitar transformar o processo de elucidação política num projeto de manipulação e indução político-partidário;

IV. Os líderes evangélicos devem ser lúcidos e democráticos. Portanto, melhor do que indicar em quem a comunidade deve votar é orientar os cristãos a conhecerem bem a história, e principalmente a proposta de governo dos candidatos através de debates multi-partidários e outros meios que possibilitem que todos sejam ouvidos sem preconceitos.

V. A diversidade social, econômica e ideológica que caracteriza a igreja evangélica no Brasil deve levar os pastores a não tentar conduzir processos político-partidários dentro da igreja, sob pena de que, em assim fazendo, eles dividam a comunidade em diversos partidos;

VI. Nenhum cristão deve se sentir obrigado a votar em um candidato pelo simples fato de ele se confessar cristão evangélico. Antes disso, os evangélicos devem discernir se os candidatos ditos cristãos são pessoas lúcidas e comprometidas com as causas de justiça e da verdade. E mais: é fundamental que o candidato evangélico queira se eleger para propósitos maiores do que apenas defender os interesses imediatos de um grupo religioso ou de uma denominação evangélica. É óbvio que a igreja tem interesses que passam também pela dimensão política. Todavia, é mesquinho e pequeno demais pretender eleger alguém apenas para defender interesses restritos às causas temporais da igreja. Um político evangélico tem que ser, sobretudo, um evangélico na política e não apenas um "despachante" de igrejas.

VII. Os fins não justificam os meios. Portanto, o eleitor cristão não deve jamais aceitar a desculpa de que um político evangélico votou de determinada maneira, apenas porque obteve a promessa de que, em fazendo assim, ele conseguirá alguns benefícios para a igreja, sejam rádios, concessões de TV, terrenos para templos, linhas de crédito bancário, propriedades ou outros "trocos", ainda que menores. Conquanto todos assumamos que nos bastidores da política haja acordos e composições de interesse, não se pode, entretanto, admitir que tais "acertos" impliquem na prostituição da consciência de um cristão, mesmo que a "recompensa" seja, aparentemente, muito boa para a expansão da causa evangélica. Afinal, Jesus não aceitou ganhar os "reinos deste mundo" por quaisquer meios. Ele preferiu o caminho da cruz;

VIII. Os eleitores evangélicos devem votar em seus candidatos, sobretudo, baseados em programas de governo, e não apenas em função de "boatos" do tipo: "O candidato tal é ateu"; ou: "O fulano vai fechar as igrejas"; ou: "O sicrano não vai dar nada para os evangélicos"; ou ainda: "O beltrano é bom porque dará muito para os evangélicos". É bom saber que a Constituição do país não dá a quem quer que seja o poder de limitar a liberdade religiosa de qualquer grupo. Além disso, é válido observar que aqueles que espalham tais boatos, quase sempre, têm a intenção de induzir os votos dos eleitores assustados e impressionados, na direção de um candidato com o qual estejam comprometidos;

IX. Sempre que um eleitor evangélico estiver diante de um impasse do tipo: "o candidato evangélico é ótimo, mas seu partido não é o que eu gosto", é de bom alvitre que, ainda assim, se dê um "voto de confiança" a esse irmão na fé, desde que ele tenha as qualificações para o cargo. A fé deve ser prioritária às simpatias ideológico-partidárias.

X. Nenhum eleitor evangélico deve se sentir culpado por ter opinião política diferente da de seu pastor ou líder espiritual. O pastor deve ser obedecido em tudo aquilo que ele ensina sobre a Palavra de Deus, de acordo com ela. No entanto, no âmbito político, a opinião do pastor deve ser ouvida apenas como a palavra de um cidadão, e não como uma profecia divina."

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A Espiritualidade da Vergonha

Na sociedade moderna, a tolerância transformou-se na maior de todas as virtudes. Aceita-se tudo, não se critica nada. O que mais me preocupa não é a capacidade de compaixão e paciência que a tolerância produz em nós, mas a ausência, cada vez maior, de valores e princípios absolutos que nos ajudam a separar o justo do injusto, o certo do errado.

O sociólogo francês Gilles Lipovetsky, em seu livro “A Sociedade Pós-Moralista”, descreve assim a tolerância na cultura moderna: “A tolerância adquire uma maior fundamentação social não tanto pelo fortalecimento da compreensão dos deveres de cada um perante o próximo, mas em razão de uma nova dimensão cultural que rejeita os grandes projetos coletivos, exaurindo de sentido o moralismo autoritário, diluindo o conteúdo das discussões ideológicas, políticas e religiosas de toda a conotação de valor absoluto, orientando cada vez mais os indivíduos rumo à sua própria meta de realização pessoal”. Ou seja, a ausência de uma consciência coletiva, a rejeição a qualquer verdade que seja absoluta e a busca pela realização pessoal geram uma forma perigosa de tolerância.

Entretanto, o perigo da rejeição a uma verdade absoluta está no fato de que ser tolerante hoje implica, necessariamente, não julgar, não ter mais critérios que separem o bem do mal, o justo do injusto; e, uma vez que não julgamos mais, poucas coisas nos chocam ou abalam e, quando o fazem, é por pouco tempo. Vivemos um estado de normalidade caótica, de paz frágil, de tranqüilidade tão relativa quanto os nossos valores.

Na oração de confissão de Daniel há uma declaração que vem se tornando cada dia mais rara entre nós: “A ti, ó Senhor, pertence a justiça, mas a nós, o corar de vergonha” (Dn 9.7). Isto não acontece mais. Somos demasiadamente tolerantes para “corar de vergonha”. Mesmo diante de fatos trágicos e deploráveis que vemos todos os dias, o máximo que conseguimos é uma indignação passageira. Porém, é a possibilidade de corar de vergonha que não me permite rir da corrupção, achar normal a promiscuidade, conviver naturalmente com a maldade e a mentira, ou, ainda, achar graça da injustiça.

Vivemos numa cultura que se orgulha do pecado, glamourizando-o através dos meios de comunicação, fazendo das tribunas públicas um palco de mentiras, organizando marchas para celebrá-lo, rindo da corrupção, exaltando a esperteza. E ninguém fica corado de vergonha.

Daniel contrasta, de um lado, a natureza justa de Deus e, de outro, a corrupção e a injustiça do seu povo. Ele só é capaz de fazer isto porque sua ética e moral estão ancoradas em verdades absolutas sobre as quais não pode haver tolerância. A conclusão a que ele chega é que, diante da justiça divina e do quadro trágico de um povo que se orgulha de sua maldade, o que sobra é o “corar de vergonha”.

Ele nos apresenta aqui a importância de uma vergonha saudável e essencial na preservação da dignidade humana e espiritualidade cristã. A vergonha aqui é a virtude que nos ajuda a reconhecer nossos erros, limitações, faltas e pecados porque ainda somos capazes de perceber que existe algo melhor, mais belo, mais sublime, mais nobre, mais justo, mais santo e mais humano pelo qual vale a pena lutar. A vergonha nos impõe um limite. É por isto que o caminho para o crescimento e amadurecimento passa pela capacidade de ficar corado de vergonha diante de tudo aquilo que compromete a justiça e a santidade. No caminho da santidade lidamos com o amor, verdade, bondade, justiça, beleza, entrega, doação e cuidado. A falta de vergonha nos leva a negar este caminho e optar pela mentira, manipulação, engano, falsidade, hipocrisia e violência.

“Corar de vergonha” é uma virtude que falta na experiência espiritual moderna, a virtude de olhar para o pecado que habita em nós, a mentira e o engano que residem nos porões da alma, a injustiça que se alimenta do egoísmo, a malícia que desperta os desejos mais mesquinhos, e se entristecer. Precisamos reconhecer que foram os nossos pecados que levaram o Santo Filho de Deus a sofrer a vergonha da cruz. Quando olhamos para a cruz e contemplamos nela a beleza e a pureza do amor, só nos resta “corar de vergonha”.

(Fonte: Sepal - Ricardo Barbosa de Sousa).